quarta-feira, 26 de junho de 2013

Qualquer semelhança não é mera coincidência - parte 1

O resumo é perfeito: governar o país por cima do tumulto das multidões agitadas da capital. O Rio podia ser caixa de ressonância, mas não tinha força política própria porque uma população urbana mobilizada politicamente, socialmente heterogênea, indisciplinada, dividida por conflitos internos (...)”. Lendo esta descrição você supõe que ela se refere a qual período?
Continuando o texto: “A percepção do perigo representado por uma cidade deliberante, com um mínimo que fosse de vontade própria, fez-se sentir logo no início da República”. Isto mesmo, essa citação faz parte do livro Os Bestializados de José Murilo de Carvalho que fala sobre os primeiros anos da república brasileira. Qualquer semelhança não é mera coincidência. A situação do país no início da República era muito semelhante ao que assistimos hoje, dadas às devidas proporções, onde uma população alheia a tudo o que estava ocorrendo passa a reivindicar mudanças em vários aspectos.
O ápice desta insatisfação popular ocorreu em 1904 com a Revolta da Vacina. O presidente Rodrigues Alves iniciou um grande processo de reforma urbana na cidade do Rio de Janeiro, o que ocasionou a derrubada de vários cortiços e edifícios antigos. Com uma preocupação sanitarista, o médico Oswaldo Cruz elaborou uma lei que tornava obrigatória a vacinação contra a varíola para toda a população brasileira. Com o apoio da grande imprensa, a população foi convidada a sair às ruas para exigir a revogação desta lei.
Apesar da lei ainda não ter entrado em vigor, no dia 05 de novembro foi fundada a Liga Contra a Vacina Obrigatória (LCVO), sob a presidência de Lauro Sodré, famoso político, que durante o discurso falou contra a lei e principalmente atacou o governo:
“Fez largas considerações sobre a situação atual da República (...). Diz que a lei votada é o enxovalho da sociedade: o governo, persistente nesta ideia, deve ser repelido pelo povo, sedento e faminto de justiça, pois que esse corrupto governo está fora da lei e acima desta está o direito.” (Correio da Manhã, 06/11/1904)

No dia 10, um grupo de jovens estudantes saiu às ruas pedindo a resistência à vacinação. Um estudante, Jayme Cohen, foi intimado a comparecer na delegacia, o que gerou uma grande revolta da população que acabou em um conflito com a polícia. As manifestações foram crescendo e mobilizando cada vez um maior número de pessoas e maiores atos de violência. O movimento operário acaba aderindo ao protesto. No dia 15 de novembro, as manifestações ficam mais violentas e sofrem a intervenção do exército. São formadas barricadas para impedir a repressão da polícia. No dia 16 é decretado o estado de sítio. O exército e a marinha invadem a barricada e coloca fim a manifestação. Resultado da revolta: 23 mortos e 67 feridos, na sua maioria operária. Porém, a vacinação foi suspensa.


As causas reais desta revolta ainda geram muitas discussões entre os historiadores, mas a causa imediata era a vacinação obrigatória que feria o direito de escolha de toda população. Nas palavras de José Murilo de Carvalho “Era a revolta fragmentada de uma população fragmentada”. Se a origem se perdeu no decorrer dos acontecimentos, a revolta atingiu a República na sua concepção.
Hoje assistimos a uma grande manifestação popular. Quais as semelhanças que podemos perceber entre os dois movimentos?

Pensem e comentem para que no próximo “Qualquer semelhança não é mera coincidência” discutirmos melhor estas semelhanças.

referências: Carvalho, José Murilo de. Os Bestializados. SP, Cia das Letras, 1998.
                      Hemeroteca Digital Brasileira in http://hemerotecadigital.bn.br/

Karen Lopes Araki é formada em História pela UNICAMP e  Professora Coordenadora da Rede Pública de Ensino.

3 comentários:

  1. Ótima essa relação entre A revolta da Vacina e as atuais manifestações, acho que muitos que estão na rua hoje, tem a "mesma falta de informação" da população brasileira atual.

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  2. Muito interessante observar que, não é de hoje que ocorrem movimentos fragmentos; e que a sociedade também hoje, como anteriormente,apresenta-se de modo fragmentado.

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  3. ótima iniciativa, já estou divulgando :)

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